Normal do Baú – Aresta – 2011

 

Atual secretária da FEMESP (Federação de Montanhismo e Escalada do Estado de São Paulo)

Idade: 57 anos
Cidade: São Paulo
Profissão: Enfermeira do Trabalho de formação, atualmente gerente de vendas Técnicas e futura Consultora e Auditora Especialista em Equipamentos para Trabalho em Altura

 

– Conte sua história com as montanhas…Como, quando e o que te levou a elas?

Comecei fazendo viagens de “mochileiro”, como eram conhecidos na época os que se aventuravam pelas estradas, tanto do país como do exterior. Eram os anos 70, eu era simpatizante da filosofia hippie e fazia parte do estilo sair por aí pegando carona, dormindo em estações de trem ou de ônibus, curtindo e contemplando a natureza e as culturas diferentes.

Meus primeiros acampamentos foram por aqui, nas praias brasileiras, o litoral norte de SP era deserto, maravilhoso! E minhas primeiras viagens mais aventureiras foram para o Norte e Nordeste do Brasil.

A primeira viagem ao exterior foi de carona de caminhão até Porto Alegre e de lá só trem por toda a viagem cujo destino era a Argentina. De Porto Alegre até Buenos Aires e de lá fomos para Bariloche, onde subi a primeira montanha da minha vida, o Cerro Tronador, foi um delírio, ver neve! Ficar em abrigo, compartilhar comida e muita conversa com gente de todo o mundo. Foi um mês de viagem, sem grana e só comendo uma vez por dia, bom pra emagrecer, eu recomendo. Esse bichinho aventureiro mordeu forte e ficou pra sempre.

A segunda grande aventura foi mais longa. Saindo de SP de trem, da estação da Luz (imaginem isso…) até La Paz na Bolívia, incluso no roteiro o Trem da Morte, de Santa Cruz de La Sierra até La Paz.

De La Paz na Bolívia o roteiro durou mais três meses, passando pelo Lago Titicaca, entrando no Peru até Cusco, subindo para Machu Picchu, primeira experiência de trekking, indo para o Equador, Colômbia para entrar pelo Rio Amazonas de Letícia até Manaus de barco.

Esse foi só o começo, muitas outras viagens se seguiram, até que nos anos 90, começamos a ensaiar subidas e “escalaminhadas” por vários parques e cada vez mais chegando perto do que conhecemos como montanhismo. A viagem mais marcante, que nos iniciou na pedra, foi a subida do Agulhas Negras e Prateleiras em Itatiaia.

Fizemos nosso primeiro curso de escalda com o Eliseu Frechou em São Bento do Sapucaí, mas como os filhos eram pequenos, quem mais se dedicou a escalada foi o Silvério, o trekking era mais familiar, fizemos muitas travessias com os filhos e sem eles.

Em 93 fizemos a primeira grande viagem de trekking para o Nepal e em 95 voltamos. Na primeira fizemos a travessia Around Annapurna Trek, 21 dias de Trekking e um passo THORONG LA (5416 m), para sentir o que é montanha de verdade! Acho que gostamos mesmo por que voltamos, e fomos para o Vale do Gokyo e Vale do Khumbu até o Kala Patar, de cara para o Everest! Indescritível e inesquecível experiência.

Na Bolívia, tive oportunidade de fazer todas as travessias clássicas, assim como algumas escaladas em gelo na região do Condoriri, no Peru Cordilheira Blanca e Huayuashi, no Chile o Vulcão Vila Rica e arredores, o circuito W do Parque Torres del Paine e muitas outras aventuras pela America do Sul.
Aqui no Brasil as travessias mais bacanas nós fizemos, repetimos muitas vezes o Cipó que é lindo, Serra dos Órgãos, Chapada Diamantina e acredito que tudo que existe na Mantiqueira! Acho que onde tem montanha neste país nós já demos um pulinho…

Essas são as principais experiências, seria difícil relatar todas vividas durantes todos esses anos.

A pessoa chave, tanto para mim como para o Silvério, foi o nosso amigo Manoel Morgado, guia de montanha experiente, que completou os Sete Cumes no ano passado. Ele que nos levou pela primeira vez para Itatiaia e nos incentivou a ir para o Nepal. Acho que posso agradecer por tê-lo conhecido um dia.

 


Adote Baú 2008 – Manutenção das trilhas do Baú 2008 e
Pedra Bela 2012 – Escaladinha perto de SP

 

– Você sempre trabalhou voluntariamente pelo esporte. De que forma isso surgiu na sua vida? Como é administrar de forma voluntária uma entidade ligada ao montanhismo?
Já trabalhei comercialmente com Viagens de Aventura. Fomos proprietários da Agencia Altas Viagens, com roteiros para Tibet, Nepal, Vietnã, Índia e Bolívia, onde levávamos grupos de Brasileiros para um Curso de escalada em Gelo, o primeiro curso comercial. Antes só havia o curso do CAP que tinha parceria com a Federação Argentina.

Tive oportunidade de levar vários grupos para a Bolívia para diversos roteiros diferentes além dos cursos de escalada em gelo.

O guia na Ásia era o Manoel Morgado, nosso sócio na agencia. A característica principal dos roteiros era ser o mais próximo possível do que nós mesmos gostávamos de fazer, ou seja, o mais próximo da aventura possível sem nos esquecer da nossa responsabilidade pela segurança do grupo.

Deixamos essa parte comercial por várias razões e principalmente devido ao Plano Collor, que fez com que os negócios não dessem o resultado esperado.

O trabalho voluntário surgiu exatamente quando iniciamos com a idéia da fundação da FEMESP, espelhados na FEMERJ e por outras tantas razões, o que daria aqui muitas paginas de história. A FEMESP completou este ano 10 anos e desde o início trabalho por ela e pelos clubes. Não posso deixar de dizer que o fato do Silvério ser o Presidente faz com que meu trabalho seja maior, pela afinidade e incentivo que nossa parceria propicia.

Mas uma das maiores razões de dedicar meu tempo livre pela FEMESP ou pela CBME é o fato de ter vivido uma época onde a natureza era inexplorada e maravilhosa e em menos de 20 anos vimos muitas coisas “sumirem”, virarem loteamentos! Serem destruídas e muradas.

Gostaria que meus netos pudessem aproveitar algo ainda dessa natureza e que ao contar histórias, como hoje estou contando, não tenham que dizer “era tudo tão lindo!” Gostaria de poder dizer:” vai lá, veja como é lindo, admire a natureza, pratique montanhismo!”

Durante estes anos tivemos algumas decepções, mas continuamos acreditando e sempre fazemos tudo pela comunidade, nada pessoal, difícil de acreditarem não é? A maioria das pessoas pensa em seu benefício próprio, ouço muito a seguinte pergunta: Filiar-me a FEMESP? Qual é a minha vantagem? Sem pensar no objetivo comunitário não existe voluntariado.

 


Babilonia, Rio de Janeiro – Com Cris e Adri

 

 

– Em seus anos de escaladas você destacaria alguma mudança positiva no esporte?

Bem, como falei no início, não sou escaladora não, só brinco um pouco, principalmente quando vou pro RJ e minhas queridas amigas me levam para escalar.

Mas posso dizer que o número de escaladores aumentou e muito, pode-se notar também o aumento de marcas e produtos no mercado. Quando começamos não existia nada no Brasil. Comprei minha primeira mochila ( de Nylon vermelha com estrutura de alumínio) na Argentina em 75. Equipos de escalada nem pensar.

Hoje você encontra as melhores marcar gringas disponíveis no Brasil e marcas nacionais de excelente qualidade.

O que melhorou muito também foi a consciência de mínimo impacto, mas esse trabalho é árduo e tem muito pela frente. O Pega Leve, o Adote uma Montanha e o Acesso as Montanhas, andam juntos e tem muito para se fazer. Na verdade acredito que não terá fim nunca, devem ser programas contínuos.

Como positivo vejo a organização do esporte através das federações que compõem a CBME e pelo reconhecimento destas pelos órgãos públicos. Trabalho de formiga feito pelo Bernardo e Silvério e todos que colaboraram com eles, ao longo desses anos. Trabalho que está sendo continuado pelas atuais cabeças de cada clube, federações e CBME.

 

– E negativa?

O que vejo hoje de certa forma negativa é a perda do montanhismo e escalada clássicos, sendo substituídos muito pela escalada esportiva, boulder e pela caminhada turística, com grupos grandes e sem grandes aventuras.

A massificação, não só no nosso esporte, mas de modo geral, leva a distanciar as pessoas do clássico, do respeito à ética e principalmente do respeito às instituições.

 


Família  Patagônica – Laguna de Los 3 – Base do Fitz Roy – 2005

 

 

 – Você sempre conseguiu conciliar sua vida profissional com a de mãe, esposa, montanhista e voluntária. Pode nos contar um pouco sobre isso ?

Bem, nem sei como fiz isso, foi indo, sem sentir. Trabalho desde que casamos, tive filho logo depois de um ano de casada e nunca parei, nunca deixamos de viajar, sair com eles ou sem eles. Além de tudo eu era radicalmente naturalista e fazia tudo em casa, do pão ao leite de soja que meu filho menor precisou tomar até os 2 anos. Nem imagino mais isso hoje em dia.

Nessa faze de voluntaria os meninos já estavam grandes e até eles entraram na dança. Meu filho, as namoradas, todo mundo ajudou de alguma forma, site da FEMESP, banners, cartazes, arte para sacola de banner reciclado, etc..Sentou na sala? O que vc pode ajudar? Eles foram criados fazendo caminhada e escalando, sabem os por quês e nos ajudaram muito.

Meu trabalho não me impede de fazer nada pois nosso tempo livre é usado para o voluntariado, portanto hora de trabalhar é trabalhar. Tive sorte de trabalhar em uma empresa ligada ao montanhismo e escalada e isso até era legal, todos me pedem dicas e eu posso falar do assunto por lá.
Como conciliar tudo, não tem receita, acho que depende da vontade de cada um, por que tempo a gente acaba achando é só querer.

 

– Como é ser montanhista na cidade de São Paulo? Dá para escalar todo final de semana na rocha?

Pois é, daí que vem essa minha distância da escalada. Qualquer pedra está pelo menos 2 horas de viagem de SP. A mais próxima é a que está no Guarujá, o Morro do Maluf, mas é limitada.

Se for para escalar todo final de semana seria para repetir Pedra Bela e Visual das Águas, ambas próximas a Bragança Paulista, depois só São Bento do Sapucaí e Andradas, que ficam mais distantes e é uma viagem de fim de semana completo.

Mas quem é mais fanático acaba indo de qualquer forma, vcs sabem que tem muito paulista escalador não é?

As academias acabam sendo uma boa opção quando não se pode ir pra a rocha. Temos 2 boas academias em SP.

 


Férias –  Argentina/Chile – Com uma Alpaca filhote em Chalten – 2005 e
Conversa – Com duas monjas que pediam donativo para um templo que havia pego fogo – Trekking do Everest – 1993

 

– Quais os planos e projetos para 2013?

Planos pessoais, tenho sim, vou trabalhar autônoma e ter mais tempo pra me dedicar a mim mesma, com 57 anos e só três anos para completar a idade de aposentadoria, decidi que vou dar um up na minha profissão, vou fazer um curso de auditor interno e ser consultora especialista.

Além disso, vou arrumar aquele tempo que nunca sobra pra cuidar de mim, fisicamente, quem sabe me preparar para uma viagem maior, sem data de volta, ainda tem muito pra conhecer nesse mundo. Em consequência disso acho que vou poder até trabalhar mais para a FEMESP.

 

– Uma mensagem para as mulheres:

Dediquem seu tempo ao que mais lhes traga prazer, nunca se esqueçam de vocês mesmas, mas não sejam egoístas. Tenham amor a tudo o que façam, não importa o que seja. Cultivem as amizades mesmo que estejam longe (né, amigas do RJ?). Sejam lindas com a beleza que vocês tenham. Amem a natureza e os animais, eu adoro!

Sejam voluntárias!

Beijo grande

 

Jussara J. Nery

[email protected]

 

Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha

Feita por  Vanessa Machado, em dezembro de 2012