Fazem 4 anos que eu pratico escalada, esporte para uns e estilo de vida para muitos outros. Cada pessoa se encaixa nesta atividade conforme motivação e personalidade, e busca através dela um objetivo. Eu escalo por alguns fatores, sendo o mais marcante além do auto conhecimento físico e mental, o enorme contato e vivência dentro da natureza. Dentre os esportes, não é muito corriqueiro existir atividades que dependam 100% de um ambiente natural para serem praticados. Constroem-se quadras, fabricam-se piscinas… e nós escaladores e montanhistas, adentramos as florestas em busca de boulders, falésias e montanhas.

 

Parque Nacional da Serra do Cipó

 

Um braço da escalada é a sua prática indoor, em ginásios específicos com seus muros e agarras de resina. É neste espaço em que a parte atlética desta atividade se forma e o espírito esportivo ganha as competições, altamente importantes na sua representação lúdica dentro da sociedade. Quando fazemos a transição do ginásio para a rocha natural, é necessário abster-se de alguns valores da competição e ganhar valores comportamentais, pois a entrada no ambiente natural carece de cuidados: adaptamo-nos à natureza e não o contrário. Devemos prestar atenção às suas cores, texturas, cheiros e o seu silêncio.

 

Sessão de boulder

 

A teoria soa muito bem mas sabemos que a realidade nos dias atuais é um pouco diferente. Pode ser um reflexo da sociedade moderna, sempre atrás de resultados quantificados. Aprendi durante esses anos como é importante valorizarmos os processos, muito mais que os resultados. A experiência, em conjunto com uma mente aberta, é um fator muito importante para conseguirmos nos transformar de forma positiva, buscando e colocando energia onde nos falta equilíbrio. A formação de uma base é sempre muito importante para a evolução pessoal de forma sólida, evitando falsos sentimentos criados pelo ego.

 

Abaixo, selecionei textos de vozes mais experientes que conseguirão transmitir de forma pontual a verdadeira motivação por detrás de tantos anos de experiência dentro do montanhismo:

 

Fred Nicole, 42 anos, escalador suiço com grandes ascenções na modalidade boulder:
“Não é sobre a dificuldade de uma escalada, é sobre a sua experiência completa.”

 

Lynn Hill, 52 anos, uma das melhores escaladoras do mundo:
“Primeiro e antes de tudo, meus projetos (de escalada) têm de ser motivados por objetivos pessoais. Então eu me pergunto: Ele é possível? Qual benefício eu irei absorver disto tudo? Para lhe dar um exemplo, na prática de boulder – que eu considero a essência da escalada – minha altura é uma desvantagem clara, ao ponto em que algumas vezes eu sequer alcanço a primeira agarra. Mas (ela adiciona com um sorriso – nota do editor) o grau não é importante; a experiência tem de ser significante. Este é o conselho que eu gostaria de deixar.”

 

Reinhold Messner, 68 anos, renomado montanhista italiano:
“Quando eu perdi sete dos meus dedos dos pés em Nanga Parbat e pequenos pedaços das pontas dos dedos das mãos, eu sabia que nunca seria um grande escalador de rocha. Então eu me especializei na escalada de altitude (alpinismo). É um jogo totalmente diferente. Eu desenvolvi essa paixão por 15 anos e isto tornou-me até um pouco intolerante no meu desejo por picos de oito mil metros. De certo, é parcialmente minha culpa que hoje os picos de oito mil metros são algo especial. Para ser honesto, eles não são tudo isso (…) Eu fui o primeiro homem a escalar os 14 picos mais altos do mundo sem oxigêncio suplementar, mas eu nunca me questionei o quão alto gostaria de ir, somente como eu o faria. Escalada é mais arte do que esporte. É o estético de uma montanha que me impulsiona. A linha de uma via, o estilo de uma ascensão. É criatividade.”

 

Yuji Hirayama, 44 anos, notável escalador japonês, praticante de várias modalidades :
“(…) números são importantes mas não tão importantes! Eles são apenas um aspecto da escalada. Existem muitas outras coisas importantes neste esporte e o que é interessante é como um escalador entende e expressa isso. Números, às vezes, escondem importantes e interessantes fatos, então nós não devíamos focar muito em um grau ou em número de tentativas. Para mim, pessoalmente, o que eu gosto é o que você imagina de uma via, o processo que você passa para escalá-la, sua motivação.
O que também é importante é que às vezes a graduação é uma indicação, mas ela realmente significa muito pouco (…)”

 

John Gill, 76 anos, considerado por muitos escaladores, o inventor da modalidade boulder:
“O influxo das massas degradará muitas atividades esportivas. O que se torna popular e saturado é banalizado pela influência da mídia. Não estou dizendo que os padrões não aumentarão, pois eles certamente irão, com muitos mais participantes capacitados; mas é um aumento de padrões indo de V12 ou V13 por exemplo, realmente parte do ato da escalada? Ou isto não é tão somente uma característica comum de todas as competições atléticas? Você escala; você aprende a graduação; você acha o seu nível de escalada; você tenta avançar para o próximo grau, sem focar inteiramente na escalada mas na sua representação numérica. Tais graduações não são naturais da rocha – elas são socialmente construídas. ‘O rabo abana o cachorro’. Além do mais, os esquemas de graduação são sempre falhos. Eu não posso mais imaginar onde a genética termina e a dificuldade começa. Você pode? A verdade é que cada ato de escalada por um indivíduo é um ato único, sem relação com a performance de outra pessoa na mesma pedra. Quando você verdadeiramente entender isto, você se libertará da forte corrente da prática e filosofia convencional e apreciará a simples, inexplorada experiência da escalada.”

 

Escalada em falésia

 

Fotos: Cláudio Brisighello

Fontes:
https://www.guardian.co.uk/world/2003/mar/30/everest.magazine;
https://www.theshortspan.com/features/johngill.htm;
https://www.planetmountain.com/english/News/shownews1.lasso?keyid=36986;
https://www.planetmountain.com/english/News/shownews1.lasso?l=2&keyid=37660.

 

Yuri Hayashi
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