Cume do Capacete
Final da Sol Celeste – Pontão do Sol/Salinas – foto: Alexandre Portela

 

Ela já morou em templo Hare Krishna, é massoterapeuta, mãe, ativista nata e grande escaladora. Durante um bom tempo foi a responsável pelas entrevistas aqui no site e hoje nos dá o prazer de conhecer um pouco sobre sua história de vida. Uma mulher forte, sem medo de opinar e disposta aos mais diferentes desafios. Ela continua apaixonada pela escalada e todo final de semana é certo encontrá-la nas paredes. Escalar com a Ro é conhecer sempre mais sobre o montanhismo e sua história. Uma pessoa admirável para se abrir o ano de 2013! Respirem fundo e vamos lá!

 

Idade: 51 anos
Cidade: Rio de Janeiro
Profissão: Professora de Tai Chi Chuan e Massoterapeuta
Conte sua história com as montanhas…como, quando e o que te levou a elas:
Bem, eu e meus irmãos éramos muito sapecas, aprontávamos muito, mas muito mesmo…jogávamos talco, óleo e margarina no chão do quarto para patinar…mamãe sofria….e nós morávamos no 1º andar de um prédio no Leblon. Naquela época a cidade não era perigosa como hoje, em casa não havia grade nas janelas e nem cerca no prédio.

Dormíamos com as janelas abertas e a fachada do prédio era composta por pedras e nós entrávamos e saíamos pelas janelas…tinha a via do quarto da mamãe e do papai, a da sala e a do quarto da gente. Isso foi na década de 60…

Quando chegou a adolescência, esta peraltice acabou totalmente e só aos 18 anos (1979) comecei a subir a Pedra da Gávea com amigas. Íamos bastante….depois me casei, separei, casei de novo, Léo nasceu e me separei de novo…em 1996 entrei de sócia no CEB (Centro Excursionista Brasileiro) e fiz caminhadas incríveis com o Berardi e Mauro Maciel. No CEB escutava as histórias vividas pelos escaladores, comecei a ficar com vontade de viver aquilo também e aos poucos comprei sapatilha, cadeirinha, fitas e mosquetões. Em janeiro de 1998, numa caminhada do clube, conheci a Rita Mello (Ritinha), grande escaladora que dava curso na época…gostei dela de primeira e me tornei sua aluna. Ficamos muito amigas e depois do curso ela caridosamente me levava pra escalar. Adorava escalar…Aliás, escalamos bastante juntas, mas logo ela foi viajar mundo afora e em novembro de 1998 engravidei de Maíra, e por ter tão pouco tempo de escalada, resolvi parar de escalar por segurança. Depois que Maíra nasceu, comecei a sentir saudades daquela sensação de estar escalando uma montanha…da brisa, da paisagem, do cheiro, da parceria com uma pessoa amiga, das risadas e da energia da própria montanha….precisava daquilo. Em março do ano de 2000, Maíra já estava com 10 meses e achei que era um bom momento para retornar e para poder voltar a escalar depois de 1 ano e 5 meses sem escalar (sendo que escalei apenas por 9 meses), resolvi me inscrever no CBM do CEB. O mais interessante é que achava que havia esquecido tudo: os nós, procedimentos de segurança..estava tudo ainda enraizado.

Neste CBM conheci dois guias que tinham muito a ver comigo e ficamos amigos de cara: Patrícia Duffles e Fernando Barroso. Nos tornamos parceiros e não parei mais!!!!

 

 

Alguém te inspirou quando você começou a escalar?
Sim, a Ritinha. Aprendi a escalar ouvindo sobre vegetação endêmica, escalar limpo, a importância em não provocar impacto num ambiente natural…ela me passou o afeto pela Urca. Me mostrou o que é ser um parceiro de escalada. Foi minha mestra!

 

Qual a sua melhor lembrança na montanha?
Confesso que me sinto afortunada por ter vivido momentos incríveis e divertidos com pessoas maravilhosas na montanha…mas tem um especial…estávamos em Salinas eu, Bernardo Collares e Cris Jorge. Íamos fazer uma via no Capacete (não lembro qual), mas amanheceu chovendo bastante e ficamos no abrigo esperando a chuva parar…mas não parava e desistimos…de repente tudo parou, a chuva, o vento, as nuvens…abriu um tempo lindo!!!! Saímos do abrigo e estavam lá o Capacete e os 3 Picos e já era tipo umas 10hs. Pra mim, sair pra escalar naquela hora seria sandice, mas o Berna pilhou de irmos os 3 na Leste. Quem me conhece sabe que tenho uns probleminhas nos 2 pés…joanete e desvio em todos os metatarsos, ou seja, escalar por muitas horas os pés acabam doendo muito…a Leste era uma das vias que nem pensava em entrar em Salinas por causa da sua extensão (750 metros). Fiquei com medo de atrapalhar a escalada deles, mas os dois pilharam e Berna disse que ia ser rápido e não sentiria dores…confiei nele e me dei bem! Entramos na via por volta das 11:30h francesando, menos nas chaminés e no artificial, chegamos no cume, escrevemos no livro de cume, lanchamos, rapelamos pela Cidade dos Ventos, pegamos o carro da Cris no Mascarim e chegamos no abrigo do Serginho às 16:40hs e eu sem nenhum cansaço ou dor nos pés. Agradeço ao Bernardo por acreditar que não ia atrapalhar e dado força de ir com eles….foi muito bom!!!!

 

Com tanto tempo de prática, você certamente já enfrentou muita coisa…qual foi o maior veneno que já passou na parede?
Olha, estou sempre passando veneno!

Mas a minha noite debaixo de chuva, molhada com um vento frio de lascar numa das maiores frente frias na Serra dos Órgãos lidera a lista…lidar com tudo isso e manter a calma e ao mesmo tempo se preocupar com a parceira que está com você foi punk!

 


Caminho do Ouro Pedra do Elefante Taquaril – foto: Vanessa Machado
Stopida Pão de Açúcar/RJ –  foto: Gerusa Palhares

 

Qual o lugar onde gosta de escalar atualmente?
Adoro escalar em Jacarepaguá, na Pedra do Elefante (Taquaril), Irmão Menor (amo!!!), na Serra, vias novas……

 

Vamos aos números: quantas conquistas? Alguma para finalizar?
Bem…gostaria de colocar que não sou conquistadora…não tenho a habilidade, visão apurada ou faro em ver uma linha na montanha…mas entro fácil na pilha de ir conquistar…ou seja, estas vias foram pilhas criadas por pessoas queridas

Enfim, acho que prontas são 5 vias: 2 no morro da Panela, 2 no Cantagalo Oeste (Petrópolis) e 1 é uma variante no Irmão Menor do Leblon.

E para terminar são 2: 1 na Face Norte do Morro dos Cabritos (Lagoa) e outra em Taquaril que na temporada deste ano estaremos finalizando, e a Pedra do Elefante terá mais uma via MUITO maneira!!!!

 

Como você vê as mudanças no montanhismo desde que começou a escalar?
Com uma mistura de otimismo e atenção.

Otimismo porque quando comecei a escalar, a questão de mínimo impacto era uma visão de poucos escaladores…hoje existe aulas de mínimo impacto nos CBMs dos clubes de montanhismo. No ano de 2000 escutava muito comentário negativo sobre a FEMERJ, hoje muita gente tá colaborando com a FEMERJ e muitas, mesmo não participando, estão acreditando no trabalho da federação. Ano passado houve um evento que muito montanhista não botava fé e foi um sucesso, que foi a SBM, que ofereceu aos participantes o 2o Congresso Brasileiro de Montanhismo e Escalada. O 2º Encontro de Parques de Montanha do Brasil, Campeonato Brasileiro de Escalada Esportiva de Competição , cinema na praça, Curso de Acesso e Conservação em Áreas de Montanhismo, Cursos e Workshops de Segurança em Escalada, Exposição da História do Montanhismo no Brasil e o I Encontro Científico sobre o Uso e Conservação de Montanhas. Não tem como não ter um olhar mais abrangente para um futuro promissor para o esporte. 100 anos de montanhismo é um tempo curto…estamos num processo de construção de uma cultura de montanha, e acredito que no futuro as pessoas entenderão esta nossa fissura inexplicável de ir para as montanhas.

E atenção para o número de pessoas que entram para o esporte sem um curso homologado ou que não entendem o valor real do uso correto dos equipamentos e dos procedimentos. Muita gente começa a escalar sem conhecer a história do esporte no Brasil e foca apenas no grau, deixando de preservar o local de escalada e sujando vias cavando agarras e/ou destratando moradores de uma região. Isso é apenas um dos exemplos de como um acesso a uma parede pode vir a ser fechado.

 

Existe uma Rosane antes e depois de começar a praticar o montanhismo?
Existe sim e ainda bem!

A vida é uma boa escola…as montanhas também!

 


Sólidas Ilusões Capacete/Salinas – foto: Gustavo Soares

 

Você trabalha com massagem, ou seja, manipulando energia nos corpos. Existe alguma conexão disso com a escalada?
Na verdade, a massoterapia contribui e muito com a prevenção de lesões e lógico, relaxa bastante após uma escalada. Vejo mais conexão com a escalada a prática do Tai Chi Chuan que possui ferramentas que auxiliam como: encaixe do quadril, transferência de peso, alongamento nas passadas, recolher o abdômen, a respiração e o “muita calma nessa hora” Para ser sincera, costumo dizer que meus 20 e poucos anos de Tai Chi me ajudam muito a estar escalando.

 

Como foi a experiência de entrevistar as mulheres da montanha durante mais de um ano?
Foi mais de 1 ano??? Nossa, adorei e lamento ter que parar….sou muito fã desta mulherada da montanha e quero que o mundo as conheça!

Quando a Adriana Mello começou a montar o site, minha veia curiosa se empolgou com a possibilidade de ter uma seção de entrevistas com a mulherada, e a Adri tinha pensado na mesma coisa…aí saí atrás destas mulheres incríveis. São todas fantásticas!

 

Uma palavra que defina o ano de 2012:
Conturbado e de mudanças…

 


Bolo de Rolo morro da Panela Jacarepagua com seguraça da jana Menezes – foto: Dalton Chiarelli
Gasparitto canatagalo RJ – foto: Adriana Mello

 

Quais os planos para 2013?
Planos para sempre: curtir os filhos, ir muito para as montanhas e me divertir escalando, mesmo passando veneno

 

Conte um pouco sobre o SOS URCA:
Então…subi pela 1ª vez o morro da Urca por volta de 1995 e a trilha era mais estreita, mais com cara de trilha, sabe? Quando voltei a escalar no ano de 2000 passei a subir mais vezes a trilha e fiquei horrorizada com a mudança drástica em 1 ano e meio, fora as cenas dantescas de comportamento que me deixavam furiosa. E outra coisa que me chamava a atenção era a quantidade de capim colonião na face norte do morro da Urca. A FEMERJ naquela época fazia reuniões mensais e cada clube fixava no mural a ata da reunião. Eu lia todas as atas e admirava o empenho desta galera…era notório que tudo ali era feito de forma voluntária e as questões do capim colonião e do estado da trilha eram assuntos nas pautas…e percebia que a FEMERJ precisava de gente pra tocar as ações…e numa destas reuniões lá fui eu levar este tema…Não conhecia ninguém e timidamente levei o assunto e Bernardo, Delson, Cristiano Requião e o Bula se empolgaram e me trataram a pão de ló…saí da reunião com um GT nas costas que o Cristiano Requião batizou de SOS Urca. Consistia em coordenar ações de reflorestamentos, reforma e manutenção das trilhas do morro da Urca e Costão, fazer levantamento da frequência no Costão nos finais de semana, fechar atalhos, colocação de placas de aviso e retirar lixos. Foram 2 anos onde muita coisa deu certo e alguns inimigos adquiridos…Hoje olho alguns locais na Urca e fico feliz, mas tive que passar a bola pra Juliana Fell por causa do trabalho e os filhos….estava atrapalhando minha vida pessoal.

 

Deixe um recado pras mulheres que, montanhistas ou não, amam a natureza!
Mulherada, a natureza está aí pra nos nutrir, fortalecer e para curtirmos muito! Mas temos o dever de cuidar dela para as futuras gerações.

Vamos usar as montanhas para nossa evolução interior e não pra descartar depois como algo que não precisamos mais.

Vamos nos divertir nas montanhas…elas querem nossa alegria e não nosso ego recheado de cobranças e frustrações!

E acreditem em vocês! Nunca deixem que derrubem a sua auto estima! Ela é sua e de mais ninguém!!!!

E Viva as Montanhas!!!!!!!!!

 

Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha

Feita por Vanessa Machado, em janeiro de 2013