A montanhista Jana Menezes, de 72 anos, no Contraforte do Corcovado. Ela escala há mais de 30 anos. Foto:Márcia Foletto/Agência O Globo
Atividade de escalada, geralmente marcada por homens, tem ganhado mais adeptas no estado, que conta com 12 clubes da prática
Por Camila Araujo — Rio de Janeiro
Do fundo de uma depressão ao topo de uma montanha.
A escalada chegou na vida de Adriana Mello em um momento de tristeza que parecia intransponível. Ela tinha 34 anos quando terminou um relacionamento de duas décadas, iniciado, portanto, ainda na adolescência. Em meio à dor da perda e sem conseguir elaborar o luto, deprimiu-se. A mãe, que tinha feito um curso de montanhismo aos 62, insistia. Vencida pelo cansaço, Adriana se inscreveu.
Na primeira aula prática, vendo o pôr do sol do alto da Pedra Bonita, chorou. Era o início de uma vida que voltava, aos poucos, a fazer sentido. A emoção foi o incentivo para que ela criasse, em 2005, quatro anos depois, o grupo Mulheres na Montanha, que reúne público feminino para atividades de escalada e trilha nos parques do Rio.
— A montanha foi um divisor de águas na minha vida. Foi o que me tirou total da depressão na época. Fiz novos amigos, conheci centenas de lugares. Na escalada e na trilha, você precisa contar com quem está com você. Então, as relações são muito importantes. A gente brinca que “o bichinho da pedra pegou” — conta Adriana, que fez uma tatuagem de calango como símbolo da gratidão pela atividade.
O primeiro evento do grupo foi o “Invasão Feminina”, também em 2005, e que hoje acontece pelo menos uma vez por ano, em março, perto do Dia Internacional da Mulher. Por ser um esporte historicamente marcado pela presença masculina, elas decidiram se reunir em uma atividade fixa para atrair mais parceiras para a prática. A última ocasião reuniu 230 pessoas no Morro da Urca, na Zona Sul do Rio.
— A gente escalava muito com homem, eles em maioria. Em 2005, decidimos ir ao Cantagalo. Reunimos nove mulheres, o que era raríssimo, e fomos escalar. Achamos o máximo. Dois anos depois, fizemos outra “invasão”, em homenagem a uma amiga nossa que morreu. Foram 30 mulheres. E foi aumentando cada ano mais — relata Adriana, que, apesar de não escalar mais, ainda gerencia o site do grupo, onde divulga eventos e oficinas. Em celebração ao Outubro Rosa, elas programam fazer outra “invasão”.
A 14ª edição da Invasão Feminina, realizada na Urca (Rio de Janeiro), em 16 março de 2019, contou com a presença, registrada no Livro Rosa, de 213 mulheres.
Em uma manhã semanal, ao entrar em minha página em uma rede social, me deparei com essa pergunta. Uma amiga havia me questionado, em uma foto minha escalando na Urca, afirmando que eu poderia guiá-la na Invasão Feminina de 2016.
Pois é (…) ainda não havia recebido aquele tradicional e-mail da Adriana Mello com a informação sobre as camisetas e resolvi perguntá-la: Adri, vai ter invasão esse ano??? Está precisando de ajuda???
Para minha surpresa a resposta foi que ela não poderia organizar esse ano, que teria aberto para quem quisesse organizar e ninguém havia se prontificado. Mas peraê! A Invasão Feminina é um encontro tradicional do calendário “monstanhístico” e não podemos passar sem!!!
Já estávamos em 22 de janeiro de 2016 e não tínhamos nem a logomarca do encontro. Nada é por acaso! Até meados de janeiro não conhecia as incríveis mulheres que listarei abaixo e por coincidência (ou destino), alguns dias antes da notícia, fizemos uma reunião buscando justamente a integração entre os clubes de montanhismo do Rio.
O que melhor para integrar do que organizar uma Invasão Feminina? Nascia em 27 de janeiro o Comitê Organizador da Invasão Feminina 2016!!! Uniram forças: Mulheres na Montanha (Adriana Mello e Patrícia Millan), Centro Excursionista Guanabara (Ana Carolina Oliveira e Sergeo Alvim), Centro Excursionista Brasileiro (Dôra Nogueira e Marcia Tiê), Centro Excursionista Rio de Janeiro (Carla Romão e Ilana Boetger), Clube Excursionista Light (Gabriela Lima e Karla Paiva), Clube Excursionista Carioca (Paula Ribeiro) e Clube Niteroiense de Montanhismo (Patrícia Gregory).
O mês de fevereiro voou! Reuniões, muitas trocas de e-mail, grupo no WhatsApp, corre para o Saara, vende camiseta, pega os brindes em Botafogo (…) Ufa!!! Para nossa alegria, todos os dias apoiadores do Brasil todo respondiam e-mails oferecendo brindes e falando o quanto admiravam o encontro. Além disso, a dedicação do Comitê em batalhar mais apoiadores, pensar nos detalhes para o grande dia e organizar as atividades foi maravilhosa!
Enfim chegamos à véspera do tão esperado dia 12 de março de 2016 e a previsão do tempo é de CHUVA! Muita chuva! Água para encher a Cantareira! O que fazer? Cancelar? As sábias palavras da Adriana vieram como um alento aos nossos corações desesperados: Mantém Ana! Não cancela! Em dez anos nunca cancelei! Vêm meninas de fora do Rio e precisamos honrar com isso!
O dia 12 amanheceu com um sol lindo! Lembrava uma manhã de inverno com o sol que esquenta, mas não queima a pele. As paredes da Urca ficaram cheias de escaladoras e escaladores, muitos vieram para caminhar, adesão em massa ao belo café da manhã coletivo com muitos bolos, pães, frutas e sucos e os massagistas fizeram a mulherada relaxar. Até que olhamos para o céu e vimos àquela nuvem negra se aproximando (…)
Em muitos momentos a meteorologia erra, mas o dia 12 não foi um deles! Choveu e choveu muito, ventou, derrubou as barracas, levantou lonas, os presentes começaram a ficar com frio, parecia uma cena de filme de terror!
A mulherada esperou pacientemente a chuva passar, mas todas terminaram brincando na água!!! Foi o primeiro ano onde tivemos duas fotos oficiais do encontro: uma foto com todas secas e outra com todas molhadas. Depois que São Pedro concluiu seu trabalho, o tempo melhorou e conseguimos realizar as homenagens às grandes montanhistas Marineth Huback e Miriam Gerber, bem como sortear os muitos brindes que arrecadamos.
Entre secos e molhados a Invasão Feminina 2016 foi um sucesso!!! O encontro foi lindo, muitas mulheres foram agraciadas com brindes, nasceram amizades, outras se fortaleceram e ficou a certeza que a Invasão Feminina não pode morrer!!!
Quero encerrar com um agradecimento aos apoiadores do encontro, a todos que colaboraram com a organização, aos membros do Comitê, mas em especial a Patrícia Millan que foi muito generosa e atenciosa na confecção da logo, banner, dentre outras artes e a Adriana Mello, que com seu carisma e simpatia criou um evento querido e amado como a Invasão.